COMENTÁRIO BÍBLICO DEUTERONÔMIO 34.1 Qual o significado de Moisés ter subido ao monte?


por Lucio Manoel

"Moisés subiu desde a planície de Moabe para o monte Nebo, para o pico do Pisga que [fica] de frente para Jericó; Yaweh fez que ele visse toda a terra de Gileade até Dã" Tradução própria a partir do texto hebraico, para que o leitor possa fazer comparações com outras traduções em Português.

“Moisés subiu” Assim começa o último capítulo do derradeiro livro da Lei, do Pentateuco. Moisés que tem seu primeiro encontro com Deus em um monte, o Sinai (Ex 3), tem agora o seu último contato com Deus, também em um monte, o monte Nebo (Dt 34). A expressão “Moisés subiu” aparece também em Êxodo 19, Êxodo 24 e Números 27, sendo este último o registro antecipado da subida e morte de Moisés no monte Nebo ou Abarim (Dt 33.48-5).

As regiões altas, as alturas, os céus, já em Gênesis 22.11,15, são identificados como um lugar onde Deus está. Em Gn 14.19 Deus é chamado de Altíssimo e possuidor dos céus. Jacó, em sua visão da escada, chama o lugar de casa de Deus e o liga com a porta dos céus (Gn 28.17). Mas é nos Salmos onde se encontram as citações mais explícitas sobre os céus como morada de Deus (Sl 2.4; 14.2; 18.13; 57.5,11; 80.14; 102.19; 108.5; 115.3,16; 123.1).

As alturas são identificadas com Deus e a terra com os homens. Assim, a dinâmica bíblica entre Deus e o seu povo se revela no encontro do céu com a terra. Era assim no Éden (Gn 3.8), quando Deus vinha ao encontro do homem na viração do dia. Mas com a queda, o homem perdeu o privilégio do contato especial com Deus, embora ele não tenha perdido a aspiração por este contato. O homem continua buscando a Deus, apesar de, na maioria das vezes, fazer isso de maneira errada. Frequentemente, a Bíblia associa os sacrifícios nos altos com a idolatria (1Re 22.14; 2Re 14.4; 2Cr 28.4; 33.14), enquanto que em outras vezes estes sacrifícios se destinavam a Yahweh (2Re 12.3).

Da mesma raiz do verbo עלה 'alah “subiu” (como aparece em Dt 34.1) deriva muitas outras palavras hebraicas importantes: holocausto, altíssimo, subida (Salmos de subida). Estas palavras evocam significado especial de aproximação a Deus, de subir em direção a Deus, e não meramente indicam distanciamento de Deus. Deus é Altíssimo, acima de tudo - aliás, a palavra Altíssimo no Texto Hebraico da BHS (Bíblia Hebraica Stuttgartensia) apenas se associa com Deus e com nenhum ser humano (esta palavra as vezes é usada para descrever a superelevação de uma coisa em relação a outra). O homem aspira chegar até Deus.

Teologicamente, a expressão “Moisés subiu” é significativa. Nas passagens em que estão indicadas acima, nas quais Moisés sobe ao monte, elas indicam um subir a Deus. Subir ao monte equivalia subir a Deus, não porque o monte tivesse qualquer coisa especial que fizesse dele um lugar especial, exceto pelo fato de Deus utilizá-lo como local de manifestação de sua presença (Sl 123.13). É por esta razão, e somente por essa, que certos montes, como Sião, são chamados de monte santo (Sl 2.6; 3.4; 15.1; 43.3; 48.1; 87.1; 99.9; Is 11.9; Zc 8.3; Ez 28.14; Jl 2.1; 3.17; Dn 11.45; Ob 1.16).

Este ato de subir ao monte (ao templo) imprimiu no coração do povo de Deus no Antigo Testamento uma imagem poderosa do encontro entre Deus e o seu povo. A imagem do povo de Deus subindo as ladeiras da Judeia rumo a Jerusalém e a imagem de Deus descendo ao templo para encontrar-se com seu povo (Sl 122), são imagens vigorosíssimas do encontro pactual entre Deus e o seu povo. O pleno cumprimento deste encontro pactual começou na encarnação do Filho de Deus (Ele tabernaculou e habitou entre nós - Jo 1.1,14) e terminará na nova Jerusalém (Ap. 21).

Este significado pactual, refletido na subida do homem a Deus e na descida de Deus ao homem, que converge no monte, assinala muito mais um privilégio para Moisés do que um motivo de tristeza em decorrência do fato que ele não entraria na terra prometida. Especialmente porque Moisés descansou no SENHOR com a imagem da terra prometida em sua mente (Dt 34.2-4).

O monte assinala o grande evento que anulará a separação que o pecado criou entre céus e terra, entre Deus e o homem. A tentativa do homem de subir até Deus tem seu limite no monte. Eis o ponto mais alto onde o homem podia chegar. Mas também foi no monte, no monte chamado Calvário, onde Cristo rompeu os limites da separação entre céus e terra, entre Deus e homem. Cristo na cruz, entre o céu e a terra, entre Deus e o homem. Ali, pendurado, suspenso da terra, arrancou dos homens o pecado que o afastava de Deus. Ali, mais perto de Deus do que qualquer homem possa chegar, Cristo aproxima Deus aos homens.



Estas anotações fazem parte da exegese de Deuteronômio 34.1-4 que serviu à pregação no culto de ação de graças do dia 31/12/2016 na Igreja Reformada de Maceió.

Para assistir ao vídeo da pregação, clique Aqui.




#LucioManoelVDM
Lucio Manoel é pastor missionário da Igreja Reformada de Maceió, Bel. em Divindade pelo Instituto João Calvino, em Recife/PE. Lucio Manoel é colaborador do Projeto Dordt-Brasil e Refo500 Brasil.

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